quarta-feira, 27 de outubro de 2010

AS REDES SOCIAIS


Nos últimos anos, assistimos a um crescimento espantoso das chamadas tecnologias de comunicação. Essas tecnologias tornaram-se mais rápidas, mais populares e mais instrumentalizadas no cotidiano de milhares de pessoas em todo o mundo. Passaram, assim, a fazer parte de um conjunto de práticas sociais que permeia o século XXI, construindo sentidos e modificando comportamentos.
Dois elementos são marcantes nesta mudança estrutural: o primeiro deles é o foco na participação, que principalmente através da Internet, torna-se o carro chefe da popularização dessas tecnologias. O segundo é que essa participação dá-se em uma escala global, nunca antes proporcionada por nenhum meio de comunicação a indivíduos. É nesse âmbito que o foco nas chamadas "redes sociais" retorna à discussão. Nesse contexto, observamos novas práticas sociais que emergem da apropriação desses sistemas, primeiro com a popularização das salas de bate-papo, depois com ferramentas como fóruns, blogs, fotologs e, finalmente, através dos chamados sites de redes sociais.
Foi o surgimento desses sites (a partir de 1997, com o Six Degrees) e sua posterior popularização (a partir de 2002, com o Friendster) que banalizou o uso do termo "rede social" para os grupos formados na Internet. Sites de redes sociais são caracterizados principalmente pela exposição pública da rede de conexões de um indivíduo, que mostra aos demais quem são seus amigos e a quem está conectado; e pela construção de representações das pessoas ali envolvidas. (Esta última, enquanto fator necessário para que a primeira possa emergir.) Assim, as redes sociais na Internet não podem ser confundidas com a ferramenta que as suporta; são, por si, expressões de grupos sociais, de pessoas e instituições que estão permanentemente interconectadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação. São constituídas pelas representações das pessoas (os perfis no Orkut, as páginas pessoais e etc.) e as conexões que existem entre essas representações ("amigos" no Orkut, links em um blog, etc.).
Muito se tem falado a respeito dessas redes. Tanto sobre o seu potencial de colaboração quanto dos elementos egocêntricos que rodam sua publicização. Nos meus próximos artigos, vou desenvolver o que chamarei de alguns "pontos", sistematizações e argumentações obtidas, principalmente, através de pesquisas empíricas, a respeito do fenômeno, onde pretendo mostrar como essas redes podem ser constituídas (e o são, muitas vezes) enquanto espaços de ações relevantes para a sociedade. É com o objetivo de sistematizar alguns conhecimentos sobre redes sociais na Internet que foco esse texto.
Ponto 1: Redes Sociais na Internet são sobre pessoas e não são desconectadas das redes offline
A referência às redes sociais no contexto do ciberespaço pode ser uma novidade. Mas os grupos sociais que surgem nesses sistemas não o são necessariamente. Como o trabalho de muitos pesquisadores tem mostrado (notadamente o trabalho das pesquisadoras americanas Danah Boyd e Nicole Ellison, por exemplo), esses sites tratam de complexificar relações já existentes, mais do que simplesmente proporcionar o surgimento de grupos novos. As pessoas estão utilizando essas ferramentas para reencontrar amigos, auxiliar a manter relações sociais e ampliar suas redes. Aqui, portanto, temos um primeiro ponto: As redes sociais na Internet vão expressar um conjunto de relações já existentes e vão manter um espaço contínuo de conexão para os atores sociais. Dentro dessa perspectiva, essas redes vão se constituir sim em espaços de trocas e interação e é esse o primeiro uso dessas ferramentas: conectar pessoas.
É essa conexão que contém grande parte do apelo dessas ferramentas. Não apenas pelo valor da sociabilidade mas, também, pelo valor do lazer. Assim, são comuns os casos de pessoas que encontram amigos de infância com quem não mantinham contato há anos através do Orkut, ou famílias que se reúnem com parentes desaparecidos, descobertos através dessas ferramentas. Estudos desenvolvidos a respeito do uso do Facebook nos Estados Unidos, por exemplo, demonstraram que muitos um dos principais valores da ferramenta era permitir que os jovens mantivessem contato com suas redes sociais locais quando se mudavam para estudar em outra cidade. Ou seja, a Internet auxiliava na forma de manter as conexões sociais das pessoas, como forma de amplificar o alcance dos contatos.
Assim, as ferramentas de comunicação mediada pelo computador não criam redes sociais desconectadas, distantes do mundo concreto de um determinado indivíduo. Ao contrário, expressam e complexificam as relações sociais já existentes, a partir do momento em que parte dos espaços sociais vai desaparecendo do mundo contemporâneo.
Ponto 2: Redes sociais na Internet são construídas pela apropriação
Outro ponto importante que precisamos levar em conta nessa discussão é que essas redes sociais, como espaços de "expressão do eu", são também construídas através da comunicação. São unicamente as trocas entre os indivíduos que vão estabelecer as conexões que depois serão mantidas pelo sistema. Como espaços sociais, as redes ultrapassam o objetivo da ferramenta. Elas vão além daquilo que foi pensado como possível. Assim, essas tecnologias têm seus significados reconstruídos pelos grupos sociais, que fornecem, através de suas práticas, sentidos diferentes para cada ferramenta.
Ora, as comunidades do Orkut, originalmente criadas como espaço de discussão, passaram a ser utilizadas por muitas pessoas como meros "crachás", demonstrando filiações e gostos e auxiliando na construção de um perfil. Assim, as comunidades foram apropriadas pelos grupos sociais brasileiros e reconstruídas com novos sentidos. O Twitter, outra ferramenta popular, por exemplo, também superou o foco na pergunta "o que você está fazendo" e se tornou um espaço de circulação de informações de todos os tipos, inclusive, noticiosas. Chamo esses usos de apropriação.
Essas apropriações não são determinadas pelas ferramentas e são quase sempre criativas e diferentes para grupos sociais diferentes. Essas apropriações vão construir redes sociais diferentes, conexões diferentes em cada espaço. Isso significa que os sites de redes sociais não são utilizados do mesmo modo. Grupos diferentes criam sentidos diferentes para as ferramentas.
Assim, há ferramentas de nicho, como o MySpace, que tem ganho popularidade por conta do foco na música, que tem sido apropriado por diversas bandas e grupos musicais como ferramenta de divulgação de seu trabalho e contato com fãs. Isso significa, também, que as redes sociais que são expressas nesses sites não são todas iguais. Mais ainda, dentro do mesmo sistema, podemos ter diferentes apropriações. Há, por exemplo, muitos grupos utilizando o Orkut como ferramenta de expressão. Mas também há grupos que se organizam e trocam informações através da ferramenta. Assim, a apropriação não pode ser generalizada ou generalizadora. O sentido é construído na ação das pessoas e em sua interação.
Ponto 3: Redes sociais na Internet são circuladoras de informação
Redes sociais são expressões de grupos na Internet. Não são, como discutimos iguais e servem a valores e interesses diferentes na Rede. Mas elas possuem elementos em comum, como o uso de sites que vão facilitar e complexificar essas conexões, tornando-as quase permanentes. Por conta dessas conexões, as redes sociais na Internet tornam-se caminho de fluxos de informação, que são repassados entre os atores que fazem parte de uma mesma rede e que vão atingindo redes cada vez mais distantes. Redes sociais, portanto, circulam informação dentro dos processos comunicativos que as constituem. Essas informações podem ser de todos os tipos, desde pessoais até notícias com relevância para determinados grupos. O que acontece é que, dentro dessas redes, os atores filtram as informações a que têm acesso, escolhendo repassar aquelas que julgam ter maior relevância.
Em uma recente pesquisa sobre o Twitter, por exemplo, descobrimos que há um grande potencial informativo na ferramenta e que muitos usuários realmente estão empenhados em repassar informações relevantes e de qualidade. Iniciativas informativas semelhantes já foram observadas em blogs e fóruns. A constituição de espaços onde as informações são rapidamente repassadas pode ser positiva como potencialmente informadora. Barack Obama utilizou ostensivamente a capacidade informativa das redes sociais em sua campanha. Utilizando boa parte dessas ferramentas como espaço de contato com seus eleitores, Obama divulgou idéias, comícios e jingles, protagonizando aquela que foi chamada "a primeira campanha eleitoral 2.0" da História. Mas Obama e sua equipe não construíram a campanha sozinhos. Quem propagou as informações, considerando-as relevante e necessárias foram suas conexões, ou seja, as demais pessoas que faziam parte de sua rede social. Foi o fato da campanha ter compreendido a lógica dessa rede e ter feito, do candidato, parte dela, que possibilitou que fossem tão bem sucedidos no processo.
É, portanto, fato que a mediação que proporciona que as pessoas estejam conectadas faz dessas redes um canal natural para a difusão e o espalhamento de informações consideradas relevantes. Redes sociais na Internet, assim, potencializam a capacidade de fazer com que informações diversas cheguem a indivíduos potencialmente distantes dos fatos.
Ponto 4: Redes sociais na Internet são espaços de conversação
O que faz as redes sociais na Internet estruturas que propagam, filtram e repassam as informações, também faz delas espaços de discussão e conversação. E é como espaço de discussão, ou ainda, de participação, que essas ferramentas estão cada vez mais estabelecidas. É porque as tecnologias proporcionam que as pessoas falem que também permitem que elas mantenham contato, estabeleçam canais alternativos de comunicação e possam discutir fatos que influenciam as suas vidas.
Há alguns anos, percebi a dimensão desse poder quando alguns jovens, indignados com um caso de maus-tratos aos animais no Rio Grande do Sul organizaram, através de um debate acontecido no Orkut, todo um movimento pelos direitos dos animais. Através da mediação da Internet, esse grupo construiu espaços de discussão, blogs e listas, organizou eventos, palestras e passeatas e conseguiu que muitas pessoas apoiassem sua causa e ampliassem a discussão para outras plataformas. Assim, matérias sobre o grupo saíram em vários jornais e programas de televisão, trazendo e trazendo o debate também para outras partes da sociedade.
Ponto 5: Redes sociais na Internet são potenciais espaços de mobilização
Se as redes sociais, por conta das conexões, proporcionaram formas de difusão de informações muito maiores, repartindo o poder antes característico dos meios de comunicação de massa entre os diversos atores, é também verdade que ampliaram o potencial da colaboração. Dissemos, no início deste artigo, que essas redes são constituídas de atores que vão conectando-se entre si. Essas conexões podem ser estabelecidas também por interesses comuns. Assim, como essas redes proporcionam que outras pessoas sejam contactadas e que interesses comuns sejam divididos, é apenas natural que proporcionem, também, mobiliazação social.
Várias dessas ações, nascidas prioritariamente nesses espaços já tiveram repercussão na mídia e em espaços nacionais e internacionais. As redes sociais, como espaços de discussão e de circulação de informações, proporcionam que idéias surjam, sejam debatidas e construam um potencial de ação para os atores sociais. Os exemplos estão por todos os lados: Recentemente, a Assembléia Legislativa de São Paulo foi palco de um grande protesto contra a proposta de lei do Senador Azeredo (substitutivo ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003), organizado e difundido como Movimento "Mega Não" principalmente através das redes sociais na Internet. O ato, que contou com a participação de políticos, ONGs e internautas passou também a ser espalhado pelos estados brasileiros.
Nas redes sociais na Internet, portanto, está um potencial mobilizador decorrente da possibilidade de encontrar pessoas com interesses comuns e pensamentos semelhantes. Um potencial gerado a partir da construção de um novo espaço de debate e de canais alternativos de comunicação e informação.

[1] Raquel Recuero é doutora em Comunicação, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pelotas e do CNPq e consultora em mídias sociais. Mantém o blog Social Media.

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